"Siempre acabamos llegando a donde nos esperan" - Libro de los itinerarios

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Aos que virão depois de nós




Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, 
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença. 
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, 
Quando falar sobre flores é quase um crime. 
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? 
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
Já está então inacessível aos amigos
Que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado. 
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe! 
Fica feliz por teres o que tens! 
Mas como é que posso comer e beber, 
Se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? 
Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? 
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: 
Manter-se afastado dos problemas do mundo
E sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; 
Seguir seu caminho sem violência,
Pagar o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. 
Sabedoria é isso! 
Mas eu não consigo agir assim. 
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem, 
Quando a fome reinava. 
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles. 
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra. 
Eu comi o meu pão no meio das batalhas, 
Deitei-me entre os assassinos para dormir, 
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza. 
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem, 
Quando falarem das nossas fraquezas, 
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes, 
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! 
Quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos: 
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos! 
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca! 
Infelizmente, nós, 
Que queríamos preparar o caminho para a amizade, 
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. 
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem, 
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.  

(Bertolt Brecht)


VERCHININ: Já que não nos dão chá, ao menos filosofemos. 

TUZENBACH: Vamos lá! Sobre o quê? 

VERCHININ: Sobre o quê? Sonhemos... Por exemplo, sobre a vida, como ela será duzentos ou trezentos anos depois de nós. 

TUZENBACH: E daí? Voarão em balões, a moda será outra, é possível que descubram um sexto sentido e o desenvolvam, mas a vida continuará a mesma: difícil, misteriosa e feliz. E passados mil anos o homem estará suspirando como agora: “Como é difícil viver!” – e ao mesmo tempo temerá a morte e não irá querer morrer, exatamente como agora. 

VERCHININ: (PENSATIVO) Como vou lhe dizer? Acho que aos poucos tudo na terra deve mudar, e já está mudando diante dos nossos olhos. Dentro de duzentos, trezentos ou talvez mil anos – a data não importa – surgirá uma vida nova e feliz. Nós, é claro, não participaremos dessa vida, mas é para ela que vivemos, por ela que trabalhamos, sim, por ela sofremos; somos nós os seus criadores – e essa é a única finalidade de nossa vida, e se assim quiser, a nossa felicidade. (MACHA RI EM VOZ BAIXA) 

TUZENBACH: O que há? 

MACHA: Não sei, estou rindo à-toa hoje. 

VERCHININ: Temos a mesma escolaridade. Não cursei faculdade, leio muito, mas não sei selecionar minhas leituras e talvez nem leia exatamente aquilo de que precisaria, mas quanto mais vivo, mais quero saber. Meus cabelos estão ficando brancos, já sou quase um velho, mas sei pouco, ai como sei pouco! Porém a mim parece que o principal, o verdadeiro, eu conheço com certeza. E como gostaria de lhe demonstrar que para nós não existe felicidade e nem existirá... Nossa única missão é trabalhar e trabalhar, ininterruptamente, e a felicidade caberá só aos nossos descendentes remotos. (PAUSA) Se nós não podemos ser felizes, pelo menos que os nossos descendentes sejam. 

APARECEM NA SALA DE JANTAR FEDOTIK E RODE; SENTAM-SE E CANTAM EM VOZ BAIXA, ACOMPANHANDO-SE AO VIOLÃO. 

TUZENBACH: Em sua opinião não adianta nem sequer sonhar com a felicidade! Mas, se eu sou feliz! 

VERCHININ: Não é possível. 

TUZENBACH: (ABRE OS BRAÇOS E RI) Parece que não nos entendemos. Bem, como devo tentar convencê-lo? (MACHA RI EM VOZ BAIXA. AMEAÇANDO-A COM O DEDO) Pode rir! (A VERCHININ) Não apenas dentro de duzentos ou trezentos anos, mas daqui a um milhão de anos, a vida continuará sendo o que era. Ela não muda, permanece constante, sujeita as leis próprias, independentes de nós, ou pelo menos que não conheceremos jamais. Os pássaros migrantes, as cegonhas, por exemplo, voam e voam, e, sejam elevados ou mesquinhos os pensamentos que se agitam em sua cabeça, seguirão voando sem se importar com os filósofos que possam existir entre eles; e que filosofem quanto quiserem, desde que voem! 

MACHA: Mas qual é o sentido disso? 

TUZENBACH: Sentido... Veja, está nevando. Que sentido tem isso? (PAUSA) 

MACHA: Acho que o homem deve ter fé ou deve buscá-la, senão a vida é vazia. Viver e não saber por que voam as cegonhas, por que nascem as crianças, para que existem estrelas no céu... Ou sabemos para que se vive ou então tudo não passa de tolice inútil. (PAUSA) 

VERCHININ: De qualquer modo, é pena que a juventude se tenha ido... 

MACHA: Gogol diz em algum lugar: “É aborrecido viver neste mundo, senhores!”

(Tchékhov, As três irmãs)

terça-feira, 11 de setembro de 2018

O inferno dos vivos


O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. 

Italo Calvino, As cidades invisíveis


Vivimos en el infierno, pero en el infierno tenemos la capacidad, que es irónica, de crear espacios de vida sensibles, de vida que no olvide la felicidad como una dimensión posible. No olvidar la posibilidad de ser feliz, esa es la consigna hoy.

Franco Berardi (http://anarquiacoronada.blogspot.com/2017/07/no-olvidar-la-posibilidad-de-ser-feliz.html)


fogo eterno pra afugentar
o inferno pra outro lugar
fogo eterno pra consumir
o inferno fora daqui

Gilberto Gil, Palco

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

As cidades

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

(Sophia de Mello)

Eu vim a Londres. O lugar tinha se tornado o centro do meu mundo, e eu tinha trabalhado muito para chegar nele. (...) Eu me tornei nada mais que um habitante de uma cidade grande, roubado de minhas lealdades, o tempo passando, me afastando mais e mais do que eu era, eu cada vez mais recolhido em mim mesmo, lutando para manter o equilíbrio e deixar acesa em mim a visão do mundo aberto que existia além dos tijolos e do asfalto e do caos dos trilhos de trem. Todas as terras míticas definharam, e na cidade grande fui confinado a um mundo menor do que qualquer outro que eu conhecera. Me tornei minha casa, minha mesa, meu nome.

(V. S.Naipaul, An Area of Darkness)

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Variações do tempo

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível
O que podia ter sido é uma abstração
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação

O que podia ter sido e o que não foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente
Ecoam passos na memória
Ao longo do corredor que não seguimos
Em direcção à porta que nunca abrimos
Para o roseiral.
As minhas palavras ecoam
Assim, no teu espírito...

Mas para quê
Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa?
Não sei.
Vai, vai, vai, disse a ave;
O gênero humano não pode suportar muita realidade.
O tempo passado e o tempo futuro
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um fim, que é sempre presente.

T.S. Eliot



VERCHININ: Muitas vezes penso se pudéssemos começar a vida de novo e o fizéssemos de modo consciente? Se a vida cumprida fosse uma espécie de rascunho e a outra – a nova – o texto passado a limpo? Imagino então que todos nós nos esforçaríamos antes de mais nada, para não nos repetirmos. Criaríamos outras condições de vida, providenciaríamos uma casa florida como esta, luminosa... Tenho esposa e duas meninas; minha esposa é uma mulher doente, etc., etc. Mas se pudesse recomeçar a vida, não me casaria. De modo algum.

(Tchékhov, As três irmãs)


—  O passado é um país estrangeiro; fazem as coisas de um jeito diferente lá.

—  Sim, o passado é um país estrangeiro  — falei —, mas alguns de nós são cidadãos de pleno direito, outros turistas ocasionais e outros itinerantes incertos, ansiosos por ir embora, mas sempre desejosos por voltar. Há uma vida que acontece no tempo normal e outra que a interrompe, e desaparece tão repentinamente quanto chegou. E existe a vida que talvez nuca alcancemos, mas que poderia tão facilmente ser nossa se soubéssemos como encontrá-la. Não acontece necessariamente no nosso planeta, mas é tão real quanto a que vivemos... podemos chamá-la de "vida estelar".

***

O passado pode ser ou não um país estrangeiro. Pode se transformar ou permanecer o mesmo, mas sua capital sempre vai ser o Arrependimento, e o que flui ao longo dela é um canal de desejos não concretizados que correm em direção a um arquipélago de pequenas possibilidades que nunca aconteceram de verdade, mas não são irreais por não terem acontecido. O arrependimento é o modo como ansiamos por coisas que perdemos, mas nunca tivemos de verdade. O arrependimento é a esperança sem convicção, eu disse. Estamos divididos entre o arrependimento, que é o preço que pagamos pelas coisas que não fazemos, e o remorso, que é o preço que pagamos por fazê-las. Entre um e outro, o tempo se diverte com seus convidativos truques.

(André Aciman, Variações Enigma)



No seu lugar, se houver dor, cuide dela, e se houver uma chama, não a apague, não seja bruto com ela. Arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos das coisas mais rápido do que deveríamos, que declaramos falência antes mesmo dos trinta e temos menos a oferecer a cada vez que iniciamos algo com alguém novo. A abstinência pode ser uma coisa terrível quando não nos deixa dormir à noite, e ver que as pessoas nos esqueceram antes do que gostaríamos de ser esquecidos não é uma sensação melhor. Mas não sentir nada para não sentir alguma coisa… que desperdício!

Como você vive sua vida é problema seu. Mas lembre-se, nossos corações e nossos corpos nos são dados apenas uma vez. A maioria de nós teima em viver como se tivesse duas vidas, uma é a maquete, a outra a versão final, e todas as versões entre elas. Mas a vida é só uma, e antes que você se dê conta, seu coração se cansa e, quanto ao seu corpo, chega um momento em que ninguém mais olha para ele, muito menos quer chegar perto dele. Agora há tristeza. Não invejo sua dor. Mas invejo sua dor.

(André Aciman, Me chame pelo seu nome)



quarta-feira, 11 de julho de 2018

Viagem ao fim da noite


Trago sempre nos olhos a imagem de minha primeira noite de vôo, na Argentina - uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas luzes perdidas na planície. Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora do amor. De longe em longe brilhavam esses fogos no campo, como que pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas estrelas extintas, tantos homens adormecidos...

É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço para se comunicar com algumas dessas luzes que brilham, de longe em longe, ao longo da planura.

(Saint-Exupéry, Terra dos homens) 


Viajar é muito útil, faz a imaginação trabalhar. O resto não passa de decepções e cansaços. Nossa viagem, a nossa, é inteiramente imaginária. É essa sua força. 

Ela vai da vida à morte. Homens, animais, cidades e coisas, tudo é imaginado. É um romance, nada mais que uma história fictícia. Diz o Littré, que jamais se engana. 

E além disso todo mundo pode fazer o mesmo. Basta fechar os olhos. É do outro lado da vida.   

(Céline, Viagem ao fim da noite)

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Poesia de solidão e poesia de comunhão

Octavio Paz

A sociedade não pode perdoar a poesia, pela própria natureza desta: ela lhe parece sacrílega. E mesmo que a poesia se disfarce, aceite comungar no altar comum e prontamente justifique sua embriaguez com todo tipo de razões, a consciência social a reprovará sempre como um extravio e uma loucura perigosa. O poeta tende a participar do absoluto, como o místico, e tende a expressá-lo, como a liturgia e a festa religiosa. Essa pretensão o converte em um ser perigoso, uma vez que sua atividade não traz benefício à sociedade; verdadeiro parasita, ao invés de atrair para ele as forças desconhecidas que a religião organiza e distribui, ele as dispersa em um empreendimento estéril e antissocial. Na comunhão buscada pelo poeta, ele descobre a força secreta do mundo, essa força que a religião pretende canalizar e utilizar, e até apagar, por meio da burocracia eclesiástica. E o poeta não apenas a descobre e funde-se com ela; diferentemente do místico, ele a revela em toda a sua aterradora e violenta nudez ao resto dos homens, pulsando no sua palavra, viva nesse estranho mecanismo de encantamento que é o poema.  Será preciso dizer que essa força, alternadamente sagrada ou maldita, é a do êxtase, da vertigem, que brota como um fascínio no cume do contato carnal ou espiritual? No ponto mais alto desse contato e na profundeza dessa vertigem, o homem e a mulher tocam o absoluto, o reino em que os contrários se reconciliam e a vida e a morte pactuam nos lábios que se misturam. O corpo e a alma, nesse instante, são um só e a pele é como uma nova consciência, consciência do infinito, apontada para o infinito... O tato e todos os sentidos deixam de servir ao prazer ou ao conhecimento; deixam de ser pessoais; estendem-se, por assim dizer, e, longe de constituir as antenas, os instrumentos da consciência a dissolvem no absoluto, reintegram-se na energia original.

Os poetas foram os primeiros a revelar que a eternidade e o absoluto não estão além dos nossos sentidos, e sim neles mesmos. Essa eternidade e essa reconciliação com o mundo se dão no tempo, dentro do tempo, e em nossa vida mortal, pois o amor e a poesia não nos oferecem a imortalidade e a salvação. Já dizia Nietzsche: "Não a vida eterna, mas a eterna vivacidade: eis o que importa." Mostrar essa condição perecível talvez possa ser trágico; de fato, é, porém encontro nesse elemento o verdadeiro valor, no sentido de valioso e de valoroso, da poesia, pois ela resgata o cotidiano da vulgaridade e unge o instante com o irreparável.

Em nossa época, a poesia não pode conviver com o que a sociedade capitalista chama de seus ideais: a vida e o martírio de Shelley, de Rimbaud, de Baudelaire, de Bécquer, são uma prova patética do que digo. Se até o final do século passado um Mallarmé não pôde criar sua poesia fora da sociedade, atualmente toda atividade poética, se é verdadeira, terá que ir contra essa sociedade. Não é estranho que, para algumas almas sensíveis, a única vocação possível no nosso tempo sejam a solidão ou o suicídio; tampouco é estranho que para outras, belas e apaixonadas, as únicas atividades poéticas imagináveis sejam a dinamite, o assassinato político ou o crime gratuito. Em certos casos, pelo menos, é preciso ter a coragem de afirmar a simpatia por essas explosões, testemunho do desespero a que conduz um sistema social baseado apenas na conservação de tudo e, especialmente, na ganância econômica.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

La luna grande

Lorca por Chavela



El cielo tiene jardines (Yerma)

El cielo tiene jardines
con rosales de alegría,
entre rosal y rosal
la rosa de maravilla.
Rayo de aurora parece,
y un arcángel la vigila,
las alas como tormentas,
los ojos como agonías.
Alrededor de sus hojas
arroyos de leche tibia
juegan y mojan la cara
de las estrellas tranquilas.
Señor, abre tu rosal
sobre mi carne marchita.  




Romance de la talabartera

Cabellos de emperadora
tiene la talabartera,
y una carne como el agua
cristalina de Lucena.
Cuando movía las faldas
en tiempo de primavera
olía toda su ropa
a limón y a yerbabuena.
Ay, qué limón, limón
de la limonera!
Qué apetitosa
talabartera!


La zapatera prodigiosa  

Las manos de mi cariño
te están bordando una capa
con agremán de alhelíes
y con esclavina de agua.

Los zapatos que tú hacías,
zapatero de mi alma,
son estrellas que relucen
alrededor de mi cama.

La luna es un pozo chico,
las rosas no valen nada;
lo que vale son tus brazos
cuando de noche me abrazan




NOCHE DEL AMOR INSOMNE
(Sonetos del amor oscuro)


Noche arriba los dos con luna llena,
yo me puse a llorar y tú reías.
Tu desdén era un dios, las quejas mías
momentos y palomas en cadena.

Noche abajo los dos. Cristal de pena,
llorabas tú por hondas lejanías.
Mi dolor era un grupo de agonías
sobre tu débil corazón de arena.

La aurora nos unió sobre la cama,
las bocas puestas sobre el chorro helado
de una sangre sin fin que se derrama.

Y el sol entró por el balcón cerrado
y el coral de la vida abrió su rama
sobre mi corazón amortajado.




CASIDA DE LA ROSA

La rosa 
no buscaba la aurora: 
Casi eterna en su ramo 
buscaba otra cosa.

La rosa 
no buscaba ni ciencia ni sombra: 
Confín de carne y sueño 
buscaba otra cosa.

La rosa 
no buscaba la rosa: 
Inmóvil por el cielo 
¡buscaba otra cosa!

terça-feira, 12 de setembro de 2017

A arte da queda



(Arch of Hysteria)


"No início, meu trabalho representava o medo de cair. Depois se tornou a arte de cair. Como cair sem se machucar. Mais tarde é a arte de se manter no ar."

Louise Bourgeois


terça-feira, 25 de julho de 2017

A eterna batalha

Eugenio Montale

É difícil viver
sem fé alguma;
cada dia a notícia 
de um massacre. E nas colisões
cotidianas, descobrimos o sombrio
sinal do destino.
Mesmo os zimbórios parecem
tetos baixos, mas uma nota,
um frêmito inesperado
entre as trepadeiras, ou um
desconhecido que rebate a bola
e a partida recomeça.
É a batalha da sobrevivência.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Lluvia

Juan Gelman



hoy llueve mucho, mucho,
y pareciera que están lavando el mundo
mi vecino de al lado mira la lluvia
y piensa escribir una carta de amor
una carta a la mujer que vive con él
y le cocina y le lava la ropa y hace el amor con él
y se parece a su sombra
mi vecino nunca le dice palabras de amor a la
mujer
entra a la casa por la ventana y no por la puerta
por una puerta se entra a muchos sitios
al trabajo, al cuartel, a la cárcel,
a todos los edificios del mundo, pero no al mundo
ni a una mujer, ni al alma
es decir, a ese cajón o nave o lluvia que llamamos así,
como hoy, que llueve mucho
y me cuesta escribir la palabra amor
porque el amor es una cosa y la palabra amor es otra cosa
y sólo el alma sabe dónde las dos se encuentran
y cuándo y cómo
pero el alma qué puede explicar?
por eso mi vecino tiene tormentas en la boca
palabras que naufragan
palabras que no saben que hay sol porque nacen y
mueren la misma noche en que amó
y dejan cartas en el pensamiento que él nunca
escribirá
como el silencio que hay entre dos rosas
o como yo que escribo palabras para volver
a mi vecino que mira la lluvia
a la lluvia
a mi corazón desterrado